Miliotti’s Blog


Cultura

Posted in Uncategorized por miliotti em 9 de junho de 2009
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“A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”


por Rosilene Miliotti

A letra da música de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto, sucesso do grupo Titãs nos anos 80, retrata bem o que o povo brasileiro precisa. Desde aquela época já sabíamos que dar bolsa disso ou daquilo não adianta se o povo não tem acesso a outros direitos básicos garantidos pela Constituição Federal como: cultura, educação, lazer e segurança.

Um dos grupos mais bem consolidados, no Rio de Janeiro, na busca da garantia de direitos e de dar acesso à cultura como consumidor e produtor é o AfroReggae, que conquistou o patamar de referência internacional através dos tambores da banda, que viaja o mundo levando a música produzida na favela, e por sua história.

No Complexo do Alemão, núcleo caçula do AfroReggae, as oficinas são gratuitas e a procura só cresce. São atendidos cerca de 100 alunos entre 8 e 48 anos. Os professores, instrutores e monitores acabam sendo referência para as crianças, jovens e adultos que participam das oficinas. Romero Alves, instrutor de circo, atua há dois anos no Alemão e diz que a resposta dos alunos é ótima. “Eles (os alunos) retribuem com muito carinho e são mais que alunos são amigos”, diz o Romero, orgulhoso após apresentação da dos alunos da oficina de circo para os estudantes da Unisuam.

“É complicado a gente ser espelho de pessoas tão jovens, mas isso é inevitável”, diz Juninho, professor da oficina de percussão. O professor cresceu com o grupo, entrou aos 6 anos e há 15 anos participa da banda AfroReggae. “A gente tenta mostrar para eles que o mundo é muito maior do que só o Complexo do Alemão”, diz.

Juninho também explica que os traficantes não querem ver seus filhos seguindo o mesmo caminho que eles escolheram. Por isso eles respeitam os trabalhos feitos pelas ONG`s nas favelas. Segundo ele, as comunidades são muito grandes, e apenas cerca de 2% dos que residem nessas comunidades são envolvidos com o tráfico.

Do tráfico a exemplo

Um dos objetivos da instituição é resgatar pessoas que se envolveram com o tráfico para participar dos projetos e trazer de volta sua cidadania. Um dos casos é o de André Santos da Cunha, conhecido como Donguinho ou na gíria do trafico, DG. Ele entrou para o tráfico da comunidade de Vigário Geral aos 16 anos e hoje, aos 27 anos é assistente do Altair Martins, Presidente e Coordenador de Operacionalização do AfroReggae e instrutor de percussão em projetos do DEGASE (Departamento Geral de Ações Socioeducativas).

DG diz que queria dar o direito da sua família ser feliz. Por algumas vezes seu filho o viu armado e isso mexeu muito com ele. “Eu não sentia mais gosto em viver. Mas o que me levou mesmo a mudar de vida foi acreditar. Enquanto a gente acreditar, tudo pode dar certo”, fala o ex-traficante, que tinha mais três irmãos que também trabalhavam para o tráfico.

Um dos motivos para DG sair definitivamente do tráfico, além do trabalho feito pelo AfroReggae, foi sua família. DG contou que um dia encontrou R$ 2mil no guardarroupa de sua mãe e quando a questionou sobre para que ela guardava aquela quantia, com lágrimas nos olhos, ela respondeu que esperava que ele morresse, assim como os seus irmãos, a qualquer momento. Além de saber que não era exemplo para seu filho.

AfroReggae: de Vigário ao Alemão

O Grupo Cultural AfroReggae (GCAR) surgiu em janeiro de 1993, inicialmente em torno do jornal Afro Reggae Notícias – um veículo que visava à valorização e a divulgação da cultura negra. No mesmo ano foi inaugurado na favela de Vigário Geral o primeiro Núcleo Comunitário de Cultura, desenvolvendo projetos sociais.

O objetivo da instituição é oferecer uma formação cultural e artística para jovens moradores de favelas para construírem sua cidadania para que não vissem como única alternativa o narcotráfico e do subemprego. Mias tarde, em 1997, o GCAR inaugurou o Centro Cultural AfroReggae Vigário Legal, com isto foi possível fazer com que a instituição se tornasse uma referência de prática sociocultural na cidade do Rio de Janeiro.

O AfroReggae é uma instituição empreendedora, e isso faz com que a auto-estima dos moradores das comunidades onde atua seja alta, pois essas comunidades acabam sendo vistas não só pela violência, mas pelo que de bom tem nelas. Hoje, a instituição desenvolve projetos, além de Vigário Geral e Parada de Lucas, no Complexo do Alemão e no Cantagalo.

No Complexo do Alemão, o AfroReggae desenvolve oficinas de circo, dança, música e teatro desde 2002, quando a instituição estabeleceu uma parceira com o SESC Rio. O projeto “Itinerários Aliados”, inicialmente, atendia jovens do Complexo do Alemão e Morro do Adeus, comunidades onde facções rivais vivem em conflito. Depois da conclusão do projeto a instituição continuou o processo de maneira independente. A partir daí nasceu núcleo no Complexo do Alemão, que atualmente está na Comunidade do Canitá, mas em breve se mudará para a Avenida Itararé.

Saiba mais sobre o AfroReggae acessando o site http://www.afroreggae.com.br

Olhares da periferia

Posted in Uncategorized por miliotti em 24 de março de 2009
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debora-santos3O que poderia existir em comum entre jovens da Rocinha e Manguinhos, favelas localizadas em regiões diferentes da cidade do Rio de Janeiro, além do PAC? Perspectiva. A fotografia deu e está dando a esses jovens novos horizontes. É comum entre eles o discurso da possibilidade de uma nova profissão, da abertura de um leque de possíveis atividades e formação.Para alguns alunos, fotografar é algo natural. Nas festas a câmera ia sempre parar nas mãos deles. Em Maguinhos, Raquel Cristina e Thiago Falcão, ambos com 19 anos, veem a fotografia como uma forma de mostrar seus olhares sob lugares que visitam e que outras pessoas nunca foram, ou se foram, podem não ter visto o que eles viram. Além de registrar acontecimentos do cotidiano, a fotografia serve como prova de onde foram e o que fazem.

O Projeto Memórias do PAC é realizado pelo Observatório de Favelas em parceria com a Secretaria de Estado de Cultura e é realizado nas comunidades do Alemão, Manguinhos, Pavão-Pavãozinho e Rocinha, favelas que estão recebendo investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento.
As oficinas do Projeto Memórias do PAC, que além da fotografia trabalham com a questão da memória das favelas, mudaram a rotina de alguns desses jovens. Raquel, mãe de Taila, de apenas um ano, às vezes tem que levar a filha para as aulas. Ela teve seus estudos interrompidos para cuidar da filha. “O curso está sendo bom não só pela fotografia, mas pela mudança do meu comportamento. Estou tendo o hábito de ler, não vou mais ao baile funk e até acordo cedo. Odiava acordar cedo, mas tenho que arrumar a casa antes de vir para a aula. Estava acostumada a acordar ao meio-dia e agora tenho que levantar às 6h, é uma mudança e tanto”, diz a adolescente que nas fotos de família quase não aparece porque sempre estava atrás da câmera. “Espero aprender a fotografar melhor, para continuar fazendo as fotos da família e que eu consiga um emprego nessa área”, conta Raquel. Ela completa dizendo que sua mãe pensou que o curso fosse mentira, porque é muito difícil ter cursos gratuitos e de qualidade na favela.

Visão crítica
Para Thyago, que estuda informática, a rotina também é pesada. Ele tem que conciliar o curso de fotografia, o trabalho, a faculdade, a arrumação da casa, a banda da igreja e ainda tem que sobrar tempo para a namorada. “A gente vem para o curso porque gosta e quer melhorar. Sempre pensei em fazer fotografia para poder falar ‘eu sou fotógrafo’”, conta ele. Thyago já recebeu uma proposta de trabalho como modelo fotográfico e um dos requisitos é ter experiência com a câmera e conhecer técnicas fotográficas. O outro é perder peso. “Faltam só 5 quilos”, brinca.

O professor de fotografia Davi Marcos, fotógrafo da Agência Imagens do Povo, explica que a grande questão do curso é o esforço que ele demanda desses meninos e meninas. Cada um supera suas dificuldades tanto em Manguinhos quanto na Rocinha, no Alemão ou no Pavão-pavãozinho. “Eles não estão aqui, na sala de aula, porque não têm nada para fazer em casa ou em outro lugar, por isso temos um trabalho mais direcionado, mais consciente. Estamos ajudando a formar uma visão mais crítica. Eles sempre viam as favelas como lugares só de violência, uma reprodução do que eles assistem o tempo todo na televisão e hoje eles já não veem assim. Eles se reconhecem como pertencentes a esse lugar”, comenta.

Na Rocinha, Débora Santos, 18 anos, moradora da comunidade e Fausto Eduardo Ferreira, 30 anos, estagiário da TV ROC, morador da Cidade de Deus, dizem que agora eles enxergam uma favela diferente, com o lado bonito – pessoas, arquitetura e lugares – e o lado feio – ausência do poder público.

Um outro olhar
Fausto diz que com o curso ele adquiriu conhecimento e técnica, além do incentivo para os estudos. Ele conta também que depois do curso fez as fotos de um casamento. “Comecei a fotografar por acaso, achava chato. Eu não sabia fazer direito, aí as pessoas reclamavam comigo porque as fotos ficavam ruins. Fiquei traumatizado”, conta.

Débora viu o letreiro sobre o curso na TV a cabo da Rocinha. O curso deu incentivo à jovem para fazer uma faculdade. “As fotos que a gente faz já tem diferença, me preocupo com a luz, com o foco. Antes as fotos eram sem noção. A gente já olha a favela de outra forma. A Rocinha é grande, e apesar de ser moradora têm lugares que eu nunca tinha ido ou não tinha percebido e estou indo por causa da fotografia”, diz.

Para os jovens é importante a participação no PAC, documentando e mostrando a mudança. Além disso, eles querem mostrar, para as pessoas que não estão nas favelas, que lá é um lugar onde moram pessoas de bem. “Quando eu falo para meus amigos que faço o curso na Rocinha eles ficam horrorizados e logo dizem que sou maluco e que vou ser assaltado. Mas eu não os culpo, eles só ouvem dizer que a favela é um lugar ruim. Mas não é bem assim. As pessoas que moram aqui trabalham e estão aqui porque não tem a oportunidade de morar em outro lugar”, completa Fausto.

Débora comenta que seus pais falavam que a fotografia não dá dinheiro, mas a adolescente bate o pé e diz que é o que gosta de fazer. “Uma foto minha já saiu no jornal [O Dia] e meus pais gostaram muito, se sentiram orgulhosos e agora eles estão me apoiando”, conta.